A MODA NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO
- Dra. Marcella Ribeiro
- 25 de jun. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 29 de jun. de 2021
Como vimos, a Moda e o Direito são áreas que caminham juntas ao longo da história. E, como todo instituto que cresce e se desenvolve com grande repercursão, torna-se inevitável o amparo jurídico a fim de organizar e suprir os eventuais anseios que certamente começam a surgir.
É importante ressaltar que, desde sua origem, o Direito, assim como a Moda, foi fundado nos valores da sociedade, concepções e crenças. Da mesma maneira que as sociedades são diferentes e evoluíram de forma diferente, o Direito adquiriu nuances próprias das sociedades em que se originava. Isso fez que com que cada sociedade tivesse um ordenamento jurídico capaz de suprir suas necessidades.
Com o relevante aumento do número de demandas judiciais referentes aos direitos sobre as criações de moda, tornou-se essencial a criação do instituto do Fashion Law para englobar tais questões. Entretanto, o Direito da Moda ainda não possui um código legal próprio e aos poucos estão surgindo doutrinas e jurisprudências sobre o assunto.
A falta de regulamentação sobre o tema gera dúvidas sobre quais instrumentos jurídicos devem ou podem ser utilizados nos casos concretos, mas a maioria das decisões são fundamentadas com base na Propriedade Intelectual, na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e na Lei do Direito Autoral (Lei nº 9.610/98). Ainda, muitos magistrados possuem dificuldade para lidar com o tema, uma vez que não existem varas especializadas no assunto.
A relação entre da Moda com o Direito extrapola, portanto, o âmbito da Propriedade Intelectual , repercurtindo em diversas áreas do Direito:
(i) A Moda e o Direito do Trabalho:
Quando lidamos, por exemplo, com questões relacionadas com a Escravidão. O projeto de Lei 3.842/12 define o conceito de trabalho escravo como: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto."
(ii) A Moda e o Direito Constitucional:
A Constituição Federal de 1988, inciso III, artigo 1º menciona que: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - A dignidade da pessoa humana."
Resta claro que se deve observar que todos possuem os mesmos direitos e podem, ou melhor, devem, ocupar qualquer lugar do país em que queiram estar, sem discriminação.
Quando lidamos com a inclusão esbarramos nos princípios constitucionais e nos Direitos Humanos. Um grande exemplo disso, é o MPS (Ministério da Previdência Social), em 2009, quando fechou acordo com a Luminosidade (que é a empresa responsável pelo SPFW - São Fashion Week e pelo Fashion Rio) de que 10% (dez por cento) das modelos que fariam parte de cada desfile precisariam ser, obrigatoriamente, de descendência indígena ou negras. Se houvesse o descumprimento do acordo firmado por alguma marca, a organização estaria sujeita a uma multa aplicada no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).
(iii) A Moda e o Direito Tributário:
A fim de relacionar a Moda com o Direito Tributário, pode-se ressaltar dois casos de maior repercussão na mídia: o caso Dolce&Gabbana e o caso Daslu.
No ano de 2013 em Milão, na Itália, de acordo com reportagem de Manuela D’ Alessandro13 publicada pela agência Reuters, os estilistas Domenico Dolce e Stefano Gabbana foram acusados de evasão fiscal contra o fisco italiano e condenados a dois anos e meio de prisão. Os promotores do caso disseram que os estilistas venderam as marcas D&G e Dolce&Gabbana para a empresa de fachada Gado (criada em 2004, em Luxemburgo), a fim de evitar o pagamento de tributos na Itália, pois os impostos sobre a atividade empresária estão entre os mais altos do mundo.
Já a loja mais luxuosa do Brasil, a Daslu, enfrentou uma crise em julho de 2005 com a Operação Narciso, da Polícia Federal e da Receita Federal. O resultado da operação foi a detenção por 12 (doze) horas e a apreensão de documentos da proprietária da loja, Eliana Tranchesi (veio a falecer em 26 de fevereiro de 2012) e a detenção, também, por 5 (cinco) dias, sendo liberado e preso novamente em 2006, de seu irmão Antonio Carlos Piva de Albuquerque.
De acordo com matéria que foi divulgada em O Globo14, a pena determinada para Tranchesi e seu irmão representa decisão isolada de uma juíza (Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Federal em Guarulhos) e não deve ser exemplo para outras sentenças que envolvam crimes de sonegação fiscal. O habeas corpus que libertou Tranchesi e seu irmão também beneficiou os importadores envolvidos no caso.
No desfecho da histórica, tem-se que em julho de 2010 a Daslu entrou com pedido de Recuperação Judicial e em 2011 a marca foi vendida para investidores (a marca Daslu ainda existe no mercado) e a loja símbolo foi desativada.
Dessa forma, processos fiscais envolvendo grandes marcas no mundo todo são comuns, ao passo que, com o exacerbado aumento do consumo e do mercado da Moda, essas marcas possuem um altíssimo lucro e os governos as perseguem a fim de que paguem retornos justos sobre os seus lucros.
(iv) A Moda e o Direito Penal:
A relação da Moda com o Direito Penal está associada à formação de quadrilha. Tem-se como exemplo o caso ocorrido na cidade de Fortaleza, Ceará, em dezembro de 2012, em que a pirataria de roupa no segmento de Surfwear deu causa a 7 (sete) prisões preventivas. Os acusados chegaram a lucrar mais de R$300.000,00 (trezentos mil reais) semanalmente, em razão da venda de roupas falsificadas.
(v) A Moda e o Direito Ambiental:
Lilyan Berlin em sua obra Moda e sustentabilidade diz que: “O consumo exagerado fará com que ocorra o esgotamento dos bens naturais, pois a natureza não dará conta de suprir as nossas reais necessidades e então, mesmo que as pessoas não percebam de que precisam mudar o seu modo de vida, seremos obrigados a parar.”
Nessa acepção, o mercado precisa urgentemente se adequar e perceber que a sustentabilidade deve ser vista como uma reorganização do ser humano na sua forma de viver. A Moda, para se adequar a essa reorganização de consumo consciente, necessita da criação de produtos e práticas de sustentabilidade que demonstrem essa preocupação diante das questões ambientais.
Sabe-se que a indústria têxtil, além dos poluentes químicos no ar e na água, é responsável por grande quantidade gerada de resíduos sólidos nas etapas da tecelagem e corte de tecidos, pois a sobra de retalhos e pelos são, quase sempre, jogados na natureza sem tratamento algum.
Além disso, o elevado consumo de água gerado pela indústria da Moda traz dados assustadores, como o fato de a indústria da Moda ser a segunda maior consumidora de água do mundo, bem como a maioria dos itens de vestuário de grandes marcas (como a Calvin Klein e a GAP), que foram testados pela Greenpeace, revelam conter produtos químicos perigosos, de acordo com o blog Stylo Urbano, no livro Fashion Law a Moda nos Tribunais.
Com relação ao chamado Fast-Fashion, ou seja, a fabricação de roupas e acessórios baratos em altíssima escala e rotatividade no mercado, o governo chinês está preocupado com a enorme poluição ambiental do país. O fast-fashion é um dos culpados pelo lento progresso da China na busca da sustentabilidade, apesar do fato de que não tem contribuído significativamente para o PIB. De acordo com blog Stylo Urbano: “Nos próximos anos, caberá à China decidir se quer continuar a ser uma fábrica barata para marcas estrangeiras ou alterar drasticamente a cadeia de abastecimento global da moda.”
Essa mudança na forma de produção da indústria têxtil da China, visando a sustentabilidade e alterando o mercado no qual faz parte, certamente, impactará na indústria da Moda de forma global.
Os advogados que atuam na área do Fashion Law devem ter em mente as relações e links com o nosso ordenamento jurídico vigente, já que não há um ordanamento jurídico próprio, para lidarem como as demandas existentes e melhor atenderem seus clientes.
Dra. Marcella Ribeiro




Comentários